Saúde mental em foco: como identificar se sua empresa é parte do problema

13/10/2025



Saúde mental em foco: como identificar se sua empresa é parte do problema

Faltam sete meses para as empresas fazerem os ajustes finais em seus programas de gerenciamento de riscos (PGR) psicossociais. Até 26 de maio de 2026, será preciso ter ações de mapeamento e mitigação de adoecimentos causados por aspectos como depressão e estresse no ambiente de trabalho. Caso contrário, estarão sujeitas a multas e outras penalidades.

A exigência veio com a mais recente alteração da Norma Regulamentadora Nº 1 (NR-1), que entraria em vigor neste ano. O governo estendeu o prazo porque entidades patronais alegavam complexidade do tema, pouca clareza sobre critérios de fiscalização e falta de materiais oficiais explicativos. Por ora, a inspeção tem caráter educativo e orientativo.

E o que são riscos psicossociais? São fatores que podem levar a sintomas como depressão, burnout (síndrome do esgotamento profissional), falta de motivação ou de concentração, mudança de comportamento e síndrome do pânico. Entre os detonadores dessas manifestações estão metas excessivas, jornadas extensas, falta de apoio e reconhecimento, assédios moral e sexual, conflitos interpessoais e ausência de autonomia. Agora, a NR-1 exige que esses aspectos sejam acompanhados de forma estruturada e contínua pelos empregadores.

A novidade traz desafios, pois exige que os agentes de adoecimento sejam identificados, prevenidos e monitorados. Mas cria um espaço mais seguro do ponto de vista psicológico e emocional, proporcionando qualidade de vida e bem-estar. Somado a isso, abre-se uma oportunidade de melhorar resultados e, assim, garantir a sustentabilidade do negócio.

Não é de hoje que fatores psicológicos no trabalho são tema de discussões. Funcionários satisfeitos faltam menos e são mais engajados. Isso se reflete em aspectos que vão desde a qualidade do atendimento ao cliente até a maior produtividade. Assim, para especialistas, a inclusão de riscos relacionados à saúde mental pela NR-1 não deveria ser vista com surpresa.

“Vivemos um momento em que problemas psicossociais começaram a ganhar visibilidade, principalmente após a pandemia, que acendeu as lâmpadas necessárias para olhar para isso”, diz Marcelo Pirani, diretor da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). “[O tema] deixou de ser tabu e passou a ser questão de estratégia, ligado a uma liderança humanizada.”

Nova cultura
Desenvolver ou manter um local que promova essa qualidade de vida, no entanto, tem sido um desafio crescente. Em 2024, segundo dados do Ministério da Previdência Social, do total de 3,5 milhões de licenças por doença emitidas, 472 mil se referiam a questões de saúde mental, um aumento de 68% em relação ao ano anterior, quando foram totalizadas 283 mil. Foi um recorde. O número inclui casos em que um mesmo indivíduo solicitou o afastamento mais de uma vez.

“Começa-se a responsabilizar as empresas pela gestão das relações”, analisa Mafoane Odara, executiva de RH e psicóloga. A saúde mental passa a ser vista como algo a se proteger e que se conecta com outros valores que ganham força no ambiente corporativo. “Antes, a organização operava com base na troca do trabalho por dinheiro. Entramos na cultura de engajamento. As pessoas querem ser felizes, ter propósito, e passam a ser importantes nas relações [profissionais].”

POR DENTRO DA NR-1

Elaborada na década de 1970, a NR-1 trata da gestão das condições de trabalho, com foco em saúde e segurança, para empresas de todos os portes e setores. As diretrizes da norma regem outras regulamentações, como as que abordam equipamentos de proteção individual (EPIs), ergonomia e atividades realizadas em locais altos ou espaços confinados.

O texto direciona a implementação, pelas organizações, do programa de gerenciamento de riscos (PGR) ocupacionais, que prevê identificação e avaliação de fatores que podem ameaçar a saúde e a segurança do funcionário; o desenvolvimento de um plano de ação para mitigar os riscos existentes; e a implementação das iniciativas, bem como o monitoramento e a revisão permanentes.

Conheça alguns termos importantes da NR-1:
Avaliação de riscos: processo contínuo e sistemático para determinar quais são os perigos a que estão sujeitos os trabalhadores, sua classificação e o julgamento sobre a necessidade de adoção ou manutenção de medidas preventivas.
Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO): envolve a identificação, a avaliação e o controle dos riscos ocupacionais de uma organização. O objetivo é proporcionar locais de trabalho seguros e saudáveis.
Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR): conjunto de ações para atingir os objetivos de prevenção e gerenciamento dos riscos ocupacionais, formalmente documentado.
Risco ocupacional evidente: situação de risco óbvio e não controlado, que não requer análise aprofundada. Reduzi-lo ou contê-lo demanda a adoção imediata de medidas de prevenção.
Emergências de grande magnitude: evento inesperado, sem aviso, relacionado aos processos da organização, cujas consequências atinjam, além dos trabalhadores, a população ou o meio ambiente.

Diferença para as micro e pequenas empresas
A NR-1 traz flexibilizações para micro e pequenos negócios. Aqueles de graus de risco 1 (baixo, como atividades administrativas e comerciais) e 2 (médio, a exemplo de operação de máquinas e exposição moderada a agentes químicos) podem fazer uma Declaração de Inexistência de Riscos, ficando desobrigados da implementação do PGR. Mas devem comprovar que as tarefas exercidas não trazem ameaças laborais relevantes.

Isso não quer dizer que essas empresas não precisem agir, mas sim que o registro e as ações podem ser mais simples e adequados à realidade e ao porte do empreendimento. Ainda assim, pode exigir esforço adicional, já que demanda mais investimento e tempo na gestão administrativa. A adequação à NR-1 é obrigatória.

“A saúde mental é um desafio significativo para micro e pequenos empreendimentos, pois eles dependem diretamente do trabalho e, consequentemente, da saúde e bem-estar dos funcionários”, explica Pedro Pessoa, analista de Políticas Públicas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

As lideranças fazem parte desse cenário. “Os empreendedores também são indispensáveis para a operação, e seus problemas de saúde mental impactam igualmente o negócio”, explica. “A prevenção pode melhorar significativamente os resultados, com redução de absenteísmo, aumento de produtividade e melhoria na reputação da marca.”

Quando o trabalho adoece
254 mil casos de afastamento foram registrados em 2024 – 141 mil por ansiedade e 113 mil por depressão, os dois principais motivos relacionados à saúde mental, segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
471.649 é o número acumulado de concessões de benefícios previdenciários, acidentários (B91) ou não (B31), decorrentes de transtornos mentais em 2024, indica o INSS
2ª foi a posição da saúde mental entre os principais desafios enfrentados na gestão de pessoas, de acordo com o relatório Tendências em Gestão de Pessoas 2025, produzido pelo Ecossistema Great People & GPTW (Great Place to Work)
57% dos casos de adoecimento mental foram provocados por assédio, pressão e insegurança laboral, aponta um levantamento da consultoria Mapa HDS com 702 trabalhadores de diferentes setores, especialmente da área de logística

Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios